"Se as crianças não forem expostas a música estranha, elas podem muito bem crescer, ir à escola, arrumar empregos, ter filhos... e morrer! Sem nunca terem experimentado a loucura! Isso é muito perigoso!" - LUX INTERIOR
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Meu candidato a presidente: Nick Kent
Por ANDRÉ BARCINSKI
Há algumas semanas, listei aqui meus 10 livros prediletos sobre música. Agora posso incluir mais um na lista: “Apathy for the Devil – a 70s Memoir”, de Nick Kent.
Kent é, junto com Nick Tosches, meu escritor predileto quando o assunto é rock. Ele é o verdadeiro gonzo do jornalismo musical, um sujeito que chafurdou na lama junto com os piores e mais dementes kamikazes do rock. Pra mim, ele é mais importanter e influente que muitos dos músicos sobre os quais ele escreveu.
Kent dividiu agulhas com Iggy Pop e Lou Reed, carreiras com Keith Richards, bebeu com Lester Bangs, cheirou anfetamina com Lemmy, dividiu groupies com o Led Zeppelin, noivou Crissie Hynde, foi espancado por Sid Vicious e quase chegou a ser um Sex Pistol. Mas não só sobreviveu para contar as histórias, como ainda as relatou com um estilo direto e envolvente, que jogava o leitor no meio da ação.
Acho que eu gosto de Kent, principalmente, por ele ser um incrível repórter.
Curto muito as divagações teóricas de cabeçudos da crítica musical como Greil Marcus ou Simon Reynolds, mas o que me emociona mesmo são as reportagens e os perfis de gente que admiro.
E ninguém – ninguém – escreveu tantos perfis reveladores e chocantes sobre meus ídolos do que Nick Kent.
Se não fosse por ele, talvez Nick Drake, Syd Barrett e Brian Wilson não fossem tão incensados hoje. Foram artigos que Kent escreveu sobre esses malditos, nos anos 70, que impulsionaram uma onda de reavaliação de suas obras.
É preciso lembrar que o conceito revisionista de “rock clássico” não existia na década de 70. Barrett estava morando com a mãe, esquecido, e Brian Wilson era visto como um demente patológico.
Como diz o próprio Kent no livro: “em 1974, eu descobri a minha voz como escritor. Antes disso, eu era um ‘wannabe’, simplesmente encarnando as diferentes influências literárias que me atiçavam – Bangs, Capote, Wilde, Wolfe (...) mas então, passei a adotar uma perspectiva diferente dos meus companheiros de jornalismo musical. Todo mundo parecia estar escrevendo sobre a ‘idéia’ do rock, como se ele fosse algum conceito abstrato (...) a minha perspectiva era o extremo oposto. Eu não estava escrevendo sobre rock como uma idéia, mas como uma realidade de carne e osso – pessoas surreais vivendo vidas surreais. Escrever sobre rock é um ato que se torna transcendente quando o autor está lá, no meio da ação, mas isolado o suficiente para entender suas possíveis conseqüências”. Gênio.
“Apathy for the Devil” relata os anos 70 na visão de Nick Kent. Foi a década em que ele, menino magro e tímido, tornou-se o dândi da crítica musical no mundo, capaz de acompanhar Iggy pop numa maratona de drogas e excessos, só para voltar para casa e escrever como Hunter Thompson.
“The Dark Stuff”, coletânea de perfis clássicos de Kent – Sid Vicious, Kurt Cobain, Brian Wilson, Syd Barrett – é, até hoje, o “Dom Quixote” da crítica de rock. Não existe nada igual.
Com “Apathy for the Devil”, Kent adiciona na história um personagem tão interessante e complexo quanto esses: ele mesmo.
Parte relato confessional, parte análise da cena musical dos anos 70 por quem a viveu por dentro, o livro já é um clássico. Torço muito para que algum iluminado lance em Português – junto com “The Dark Stuff”.
FONTE:
http://andrebarcinski.folha.blog.uol.com.br/
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