quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Revolta da juventude inglesa não tem porta-voz na música pop


Por KRISSI MURISON
DO "GUARDIAN", EM LONDRES


Na terça-feira passada (9 de agosto), cópias da edição mais recente da revista "NME" ("New Musical Express") chegaram às prateleiras de qualquer banca de jornais do centro de Londres que ainda estivesse aberta, depois da turbulência da noite anterior. A capa (imagem acima) mostrava uma imagem de 1976 do The Clash, para lembrar o 35º aniversário da explosão do punk em Londres. Dentro da revista estava reproduzida a primeira entrevista que Barry Miles fez com a banda: "Eles falam do tédio de viver nos conjuntos habitacionais subsidiados pela prefeitura, de viver em casa com seus pais, das filas para receber o seguro-desemprego, dos empregos do tipo que destrói a mente oferecidos a desempregados que abandonaram o colégio antes de se formar. Falam de [...] como não há nada para fazer."

Mais tarde, enquanto Londres ardia em fogo, a ironia do fato de o Clash --uma banda para sempre associada a tumultos e protestos-- estar novamente na capa
da "NME" ficou muito clara. Mas, se bem que teria sido uma satisfação traçar paralelos entre o discurso revolucionário do Clash em 1976 e os acontecimentos incendiários da semana, a realidade não foi tão exata. Os fatos básicos relacionados a ser jovem, sem dinheiro e entediado em Londres e fora dela podem não ter mudado muito desde aquela época, mas todo o resto do que Mick Jones e Joe Strummer descreveram mudou.

"Acho que as pessoas precisam saber que somos antifascistas, somos antiviolência, somos antirracistas e somos pró-criativos. Somos contra a ignorância", disse Strummer, quando perguntado como sua banda estava propondo uma solução para o tédio e a frustração daqueles jovens. "Não preciso me embebedar todas as noites e sair por aí chutando pessoas e depredando telefones públicos [...]. Estamos falando de temas que realmente acreditamos que têm importância. Esperamos educar qualquer jovem que vier nos ouvir."

Se esse foi o manifesto do punk em 1976, eis o que a música tem em 2011 que mais se aproxima de um manifesto: "Kill People. Burn Shit. Fuck School" (Mate Pessoas. Incendeie Coisas. Foda-se a Escola). É uma canção do Odd Future Wolf Gang Kill Them All, cuja anarquia apática talvez constitua uma trilha sonora mais apropriada que a do Clash --se bem que não intencional-- para a violência da semana passada. Para os não iniciados, o Odd Future é um controverso coletivo de rap de Los Angeles liderado por Tyler the Creator --um sujeito de classe média que abandonou o colégio e é um anti-herói da cultura pop, amado por descolados e fãs do indie rock. Não estou desancando Tyler: diferentemente de Strummer, ele não pediu para ser o porta-voz de uma geração. E, como a moçada que botou fogo e saqueou lojas familiares de seus próprios bairros, ele é o primeiro a admitir que não tem grande coisa a dizer. Ele apenas gosta de provocar confusão, por mais sem sentido ela possa ser.

Mas é assim, ao que parece, que soa a rebelião em 2011: de olhar morto, uma coisa oportunista e de turba. Uma coisa é certa, não existe no momento ninguém mais que esteja tentando articular qualquer coisa com mais significado na cultura pop. Houve época em que os roqueiros, e não apenas The Clash, tinham muito a dizer sobre muitas coisas muito grandes, muito importantes. Ou, pelo menos, é o que me dizem. A verdade é que, em meus oito anos como jornalista musical, nunca topei com um desses.

Vamos dar uma olhada em alguns dos candidatos prováveis. Alex Turner: letrista de uma geração, comentarista extraordinário do cotidiano, brilhante quando fala sobre barracas de batatas fritas, menos brilhante quanto o assunto são cortes nos gastos da previdência. Eis o que ele me disse na última vez em que o entrevistei, na época dos protestos estudantis e das passeatas sindicais: "Mesmo que [algumas de nossas canções] sejam sobre 'o que está acontecendo' em uma parte da cidade, não são sobre O QUE ESTÁ ACONTECENDO, certo? Não é como se eu estivesse dando uma opinião sobre o que vem acontecendo. Simplesmente não sei de que isso adiantaria." Ou o músico folk moderno, formado em Eton (um dos dois colégios particulares mais de elite da Inglaterra, NT) e ex-anarquista do Black Bloc Frank Turner: "Me sinto desconfortável se sou descrito como 'político'. Não quero ser divisivo."

Enquanto isso, Dizzee Rascal descobriu há muito tempo que é muito mais compensador, comercialmente, escrever sobre seu estilo de vida maluco no showbiz que sobre o conjunto habitacional na zona leste de Londres onde ele cresceu e que retratou tão extraordinariamente em seus primeiros álbuns.

Nenhum desses artistas é burro. Na realidade, eles estão entre os mais inteligentes que temos. E não acredito realmente que eles não tenham opiniões também sobre as coisas grandes e importantes. Mas acho que há um estigma ligado ao preocupar-se suficientemente com essas coisas para declarar-se, desafiar opiniões e, de vez em quando, se equivocar. Basta ouvir as risadas de escárnio que a antes digna de crédito MIA suscita agora depois de uma controvérsia politicamente equivocada demais no Twitter ("vou ir até o lugar do saque para distribuir chá e chocolates Mars", ela tuitou na semana passada). Assim, agora ninguém mais fala nada. E então todos acordamos e nos perguntamos onde foi parar a arte do protesto genuíno.

É claro que não precisávamos dos tumultos da semana passada para nos informar que existe um abismo enorme entre aquilo do qual escrevem os músicos de hoje e a realidade das ruas. Mas a violência destacou o problema mais ainda. Em 1976 o Clash pode ter falado em nome de um Reino Unido altamente politizado, mas a banda não tem nada a dizer aos jovens marginalizados e insensibilizados de 2011. A não ser que alguém se disponha a erguer-se no lugar dela e começar a gritar, e logo, esta geração corre o perigo de perder sua voz por completo --ou, pior ainda, de acabar tendo como seu legado Tyler the Creator e seu niilismo vazio. E nem mesmo Tyler quer isso.

FONTE:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/960756-revolta-da-juventude-inglesa-nao-tem-porta-voz-na-musica-pop.shtml

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