sábado, 2 de outubro de 2010

John Lennon: o homem e a revolução


John Lennon foi o mais engajado dos Beatles numa época de grandes confrontos ideológicos

Por ROBERTO MUGGIATI


Ele nasceu John Winston Lennon, o nome do meio já uma de­­claração política, homenagem a Winston Churchill, o líder britânico que, em 1940, defendia praticamente sozinho o mundo livre das forças do Eixo. Quatro meses antes de Lennon nascer, Churchill pedia ao seu povo “sangue, suor e lágrimas” [sintomaticamente, Blood, Sweat and Tears seria o nome de uma banda de rock americana dos anos 60].

Os Beatles eram adolescentes narcísicos que buscavam fama e fortuna tocando rock-and-roll. Não estavam nem aí para a Guerra Fria, em que os ingleses pontificavam como mestres da espionagem. Mas a paixão pela música negra e o cinismo irlandês inato deram a John os primeiros lampejos de consciência social. Já aos 17 anos ele descrevia assim a atmosfera de Liverpool: “Éramos um amontoado de descendentes de irlandeses, negros e chineses, gente de todo tipo, como São Francisco, da Califórnia. Mas não havia nada de grandioso em Liverpool, não era uma cidade americana. Era um cidade que empobrecia, de vida muito dura. Mesmo assim, os liverpudlianos sempre tiveram humor, porque sofrem muito. Estão sempre fazendo piadas. São muito espirituosos e Liverpool é quase uma cidade irlandesa. Ali os negros foram abandonados ou foram trabalhar como escravos”.

Um gênio que soube decifrar o mundoA culpa pelo fim dos Beatles não é só delaSofisticando aquela goma de mascar do rockDocumentário relembra dias nova-iorquinosO sucesso retumbante, depois de um começo difícil, levou os Beatles na maré de “sexo, drogas e rock-and-roll”. E assim se passaram os anos 60, tão carregados de política. Jovens do mundo in­­teiro exigiam mudanças e seu porta-voz era a música. Involuntariamente, com a desastrada declaração “Os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo”, John tomou contato com a violência reacionária do sul dos Estados Unidos, onde os discos dos Beatles foram queimados em fogueiras rituais e seus shows cancelados por ameaças da Ku Klux Klan a suas vidas.

Depois da fase psicodélica de Sergeant Pepper’s – muito ácido na cuca, canções oníricas e surreais –, as letras de Lennon começaram a se ocupar mais das pessoas e dos conflitos da época. A música “Revolution” é um exemplo, embora fosse gravada em duas versões – “conte comigo” e “es­­tou fora” – e a versão lançada fosse a do “estou fora”. O que não impediu Lennon de ser apontado, pela ATV britânica, ao lado de Mao e de John Kennedy, entre “os homens da década”.

A relação de John com a artista de vanguarda Yoko Ono, iniciada em 1966, aprofundou sua veia crítica. Eles se casaram em Gibraltar em março de 1969 e es­­colheram uma lua-de-mel que dava o tom do seu engajamento político nos anos a seguir: na suite presidencial do Hilton de Amsterdam, passaram uma se­­mana na cama de pijama à disposição da imprensa do mundo in­­teiro. Era o primeiro bed-in for peace, algo como “concetração na cama pela paz”.

Lennon disse que podiam ter escolhido uma lua-de-mel ro­­mântica num paraíso do Mediterrâneo, mas ele e Yoko resolveram transformar a ocasião em “publicidade construtiva”.

A essa altura, John e Yoko eram tratados como uma espécie de Liz [Taylor]& [Richard] Burton da nação de Woodstock. “Henry Ford soube vender carros usando a publicidade. Eu e Yoko estamos numa imensa campanha para vender a paz. Isso pode fazer as pessoas rirem, mas também pode fazê-las pensar. Na verdade, somos o sr. e a sra. Paz...”

No fim de 1970, 12 grandes cidades como Nova York, Londres, Los Angeles amanheceram cobertas de imensos outdoors assinados por John e Yoko proclamando: A guerra acabou! Se você quiser...” Naquele ano, John proclamava também “O so­­nho acabou. Agora temos de voltar à chamada realidade”.

John Lennon, por sua penetração junto à mídia, era uma presença incômoda na América republicana de 1972. Nesse ano começou um verdadeiro complô do governo de Nixon, por meio do FBI, para expulsá-lo dos Estados Unidos. O ex-beatle comprou a briga.

No processo John Lennon vs. The United States, entre os motivos oficiais da Imigração para deportar Lennon, havia um flagrante de porte de haxixe na Inglaterra em 1968. John pediu perdão à rainha, mas Elizabeth II recusou. As relações com a realeza nem sempre foram cordiais.

Em fins de 1969, John devolveu à rainha a medalha de Membro do Império Britânico, “em protesto contra a Guerra do Vietnã, a Guerra de Biafra e o fracasso do compacto ‘Cold Turkey’ de figurar na lista dos 20 Mais Vendidos”.

Em setembro de 1976 – Nixon fora derrubado pelo escândalo Watergate em 1974 –, Lennon venceu a longa batalha judicial e ganhou o direito de residir nos Estados Unidos. John Wiener, um professor de História que publicou um livro sobre o caso e teve acesso a documentos secretos do governo, disse que John era considerado um perigoso infiltrador esquerdista, teve seus telefones grampeados, e foi se­­guido anos a fio por agentes do FBI.

Cidadão de Nova York, encastelado no edifício Dakota — ocupando cinco apartamentos, com um total de 26 quartos — Lennon passou a se dedicar à “política interior” a partir de 1975. No dia em que completava 35 anos, 9 de outubro, nasceu o filho tão esperado com Yoko, Sean. O ca­­sal fez um trato: Yoko passou a cuidar dos negócios e John a cuidar da casa e do bebê. Aprendeu até a fazer pão.

Em 1980, John e Yoko voltaram às paradas com o álbum Double Fantasy, promessa de uma nova abertura musical. Mas um garoto perturbado de 25 anos, Mark David Chapman, que queria se suicidar e se identificava morbidamente com Lennon, ma­­tou o seu “duplo”, John, com cinco tiros de .38 a queima-roupa na portaria do Dakota, na noite de 8 de dezembro.

Em entrevista à revista Playboy, publicada postumamente em janeiro de 1981, John deu seu último recado político: “É pos­­sível fazer quase tudo, mas não deleguem a responsabilidade aos líderes ou aos parquímetros. Não esperem que Jimmy Carter ou Ronald Reagan ou John Lennon ou Yoko Ono ou Bob Dylan ou Jesus Cristo venham e resolvam a parada por vocês. Vocês mesmos é que têm de fazer acontecer”.

Mas talvez a citação mais profética seja esta frase de John: “Mahatma Gandhi e Martin Luther King são grandes exemplos de não violentos fantásticos que morreram violentamente. Nunca vou poder digerir isso. Somos pacifistas, mas não estou seguro do que isso significa quando você é um pacifista tão grande que é capaz de levar um tiro. Nunca vou entender isso”.

FONTE:
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1052807&tit=O-homem-e-a-revolucao

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