quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O rock brasileiro precisa morrer


Por Vladimir Cunha

Tecnicamente, o rock é um negócio limitado pra caralho. E, justamente por conta disso, ele sempre foi movido por sua capacidade de gerar possibilidades, sejam elas de fuga ou de autoafirmação. O poder mobilizador do rock não está em uma resposta consciente a uma determinada construção simbólica.

A música não arrebata ou emociona pelo seu aspecto formal e sim pelas possibilidades de criação que permite ao ouvinte. Nos últimos 50 anos, o que o rock pôde oferecer nesse sentido sempre foi mais interessante do que aquilo que ofereceu como expressão artística.

É o que explica a sua necessidade de reinvenção e conflito consigo mesmo, na qual está metido desde que, dos anos 60 em diante, gerações de músicos floresceram negando umas às outras, conflitando símbolos e pontos de vista, oferecendo aos ouvintes um ciclo contínuo de morte e renascimento.

Foi preciso que a invasão britânica fornecesse um novo ponto de vista ao rock’n’roll para que, a partir dela, todos os subestilos do rock se desenvolvessem na segunda metade dos anos 60.

E quando os códigos e paradigmas dessa mesma geração se transformaram na pretensão vazia e elitista do rock progressivo – que fornecia escapismo, mas não diversão e catarse -, surge o punk rock, pronto para criar um novo horizonte de possibilidades para os jovens sem futuro de todo o mundo.

Quando não se tem isso, trata-se apenas de música pop no seu pior sentido, um produto da indústria do entretenimento com propósito e vida útil bastante definidos.

Agora imagine que você é um garoto de 12 anos, ainda meio confuso com os pentelhos crescendo, as espinhas na cara e o súbito interesse por meninas da rua, curando com muita punheta e site de mulher pelada o fato de que todas elas o acham um Zé Mané.

Você não é mais criança, mas também não é adulto e precisa encontrar uma trilha sonora decente para esse período de turbulência. Você sintoniza uma “rádio rock” qualquer, liga a TV e ai vem a pergunta: que possibilidades de criação, revolta e catarse oferece a você o rock brasileiro dos anos 00?

Provavelmente nenhuma. Essa foi a única resposta que passou pela minha cabeça enquanto via a banda Cine lançar o clipe de Garota Radical, seu primeiro single, uma overdose de cores cítricas e penteados mirabolantes na qual os músicos são apresentados como se fossem caixas de sabão em pó.

A produção profissional e higiênica ocupa tanto espaço que não existe aqui nenhuma brecha para a criação de um novo olhar. Mas, espertamente, e por ser um produto voltado para adolescentes do sexo feminino, a imaginação foi deliberadamente substituída pela fantasia, seja ela sexual ou afetiva.

É assim que se apresenta o rock brasileiro nos anos 2000: como um veículo de satisfação imediata, que por ser baseado em regras de mercado, e não em imaginação e força criativa, não possibilita o estabelecimento de um novo paradigma ou de uma nova percepção.

NXZero, Fresno, CPM 22, Leela, Capital Inicial, Cachorro Grande… todos esses grupos apresentam-se apenas como produtos da indústria cultural e como uma caricatura de transgressão e não como proponentes de novas possibilidades de criação.

Quando o mundo é uma merda

Junho de 2008. No estúdio VIP do Mosh, um megacomplexo de estúdios de gravação na Barra Funda, em São Paulo, Marcelo Nova reclama da nova geração do rock brasileiro enquanto Marcão e Paciência – que, junto comigo, vieram gravar um depoimento do músico sobre o disco Viva!, do Camisa de Vênus, para o último episódio de 2008 do Discoteca MTV – arrumam a luz e posicionam as câmeras.

“O problema, cara”, grita Marcelo, agitado, “é que o adolescente PRECISA gritar que o mundo é uma merda porque quando você é adolescente o mundo É UMA MERDA. Mas quem quer gritar hoje em dia que o mundo é uma merda? NINGUÉM, PORRA!”

O homem não para quieto. Enquanto fala, se mexe de um lado para o outro, dando um trabalho da porra para Marcão, cada vez mais agoniado na impossibilidade de acertar a luz e a marcação das câmeras. E então dá um pulo da cadeira quando me ouve falar a palavra “emo”.

“Aí não… emo é foda. Esse negócio de emo me torra a porra do saco. Pega essas bandinhas aí… tudo com aquele cabelinho, aquele… aquele sebo no cabelo, aquela seborreia…”, diz ele de pé, gesticulando sem parar, eu dando risada, sem coragem de pôr ordem no recinto, “Levei um chifre’, ‘ai meu cu’, ‘ai não sei o quê’… porra, isso não é rock, meu filho. Isso é uma porra de SERTANEJO DISFARÇADO. PUTAQUEOPARIU!”.

Ele sabe do que está falando. Afinal, teve o ímpeto de gritar que o mundo era uma merda. E de me fazer, aos 12 anos, em 1986, criar um novo paradigma pessoal a partir das músicas que gravou com o Camisa de Vênus, aquele rock sombrio e barulhento com letras sobre estupro e morte; sobre yuppies em crise de identidade; capaz de misturar em uma mesma música marxismo, Jesus Cristo, Freud e pós-punk.

Foi por meio do Camisa de Vênus que comecei a negar o pop brasileiro dos anos 80 e me interessar pelo movimento punk – na falta de um rótulo melhor a imprensa brasileira da época associou Marcelo e companhia a bandas como The Clash e Sex Pistols. E foi o punk que me levou à new wave, ao skate, ao pós-punk, ao thrash metal e ao hardcore.

É por isso que não canso de me perguntar qual é a do rock brasileiro nos anos 2000. Acomodado nos já não tão confortáveis braços da indústria da música, cada vez mais combalida pela pirataria, ele se apresenta apenas como um acessório estético de revolta controlada, que não avança em suas proposições justamente por se conformar aos jogos de poder e mercado.

Como o pop supostamente sensível do Capital Inicial, dos anos 80, mas renascido nos anos 2000 e cada vez mais semelhante a um livro de autoajuda para adolescentes em crise, e a fantasia “sex, drugs & rock’n’roll” do Cachorro Grande, milimetricamente sujos e descuidados, como se os Rolling Stones tivessem surgido repentinamente do provador de um brechó da Benedito Calixto direto para um editorial do curso de moda da Fundação Álvares Penteado.

Ou mesmo a suposta dureza de CPM 22, Fresno e NXZero, com suas tatuagens e visual estilizado, que se confrontam com o vazio do discurso e a ausência de imaginação, abraçando como única razão de sua existência a trilha sonora de uma adolescência conformada.

Hora de voltar ao clipe do Cine. Um pop de videogame em cores berrantes como um vídeo de aeróbica da Jane Fonda. O que a banda oferece é saturação sensorial e fantasias afetivas vagas, porém em quantidade suficiente para estimular as primeiras explosões hormonais de meninas recém-saídas da infância.

É uma história de amor com começo, meio e fim, envolvendo o vocalista aloirado e a Garota Radical que empresta seu nome à música. Um telão espalha abstrações pelo cenário e a banda dá uns pulinhos como um enxame de clones de Mario Bros. E quando sobe o aviso de game over, o impacto é tão profundo quanto o de um comercial de pasta de dentes.

O fim da História

Pra mim, o rock brasileiro acabou em 1991, quando Paralamas do Sucesso e Titãs lançaram os seus piores discos até então, respectivamente Os Grãos e Tudo Ao Mesmo Tempo Agora. Logo depois, o Nirvana dominou o mundo.

Em comparação com o trio de Seattle, QUALQUER rock feito no Brasil soava anacrônico, mofado e desprovido de sentido (Sepultura corria por fora e é uma outra história). O Capital Inicial e a infame Mickey Mouse em Moscou só nós deram mais certeza de que, naquele momento, era necessário virar as costas para o país.

Foram precisos três anos, duas bandas de Pernambuco, quatro moleques de Brasília e um bando de maconheiros do Rio de Janeiro para que fosse possível confirmar a viabilidade de uma música pop genuinamente brasileira.

O mangue bit, os Raimundos e o Planet Hemp mudaram tudo ao cruzar gêneros, desafiar convenções de mercado e estabelecer um novo padrão de composição, que fugia do rock, se aproximava do rap e tinha como referência as contradições das grandes cidades brasileiras.

Suicidal Tendencies e forró, hip-hop e a malandragem da Lapa, skate e maracatu. Ídolos pop de uma linhagem suburbana, a continuação pós-moderna do imigrante que enxerga a metrópole a partir de uma perspectiva muito particular. Cabelo carapinha, pele escura e dreadlocks em choque com o arianismo gélido e encapotado do rock dos anos 80.

Mas a onda que quebraria com toda a força em 1994 recuou e se diluiu, ainda que seus respingos estejam por aí. E o ciclo de destruição pop se repete quando a música jovem feita hoje no Brasil, pelo menos a que se impõe no mainstream, surge da negação da década passada ao abraçar o rock tradicional da mesma maneira que a geração dos anos 80.

O som é californiano e o padrão estético a ser perseguido não está na periferia das cidades brasileiras e sim nos subúrbios norte-americanos; sejam eles reais, idealizados ou mesmo replicados de maneira pobre nos condomínios de São Paulo e da Barra da Tijuca.

A saída pode estar na nova eletrônica brasileira do Montage, dos tecnobregas de Belém do Pará, do Bonde do Rolê ou até mesmo na nova MPB feita pela vanguarda paulistana, liderada por Curumin, Céu, Lucas Santana e Fernando Catatau. Mas, mesmos estes, parecem pequenos e segmentados demais para fazer algum barulho fora do gueto chique da Vila Madalena.

Enquanto isso, o rock brasileiro – ou o pop, caso seja preciso usar um termo mais amplo – continua devendo uma nova possibilidade de criação e uma nova construção de significados. Só assim será possível dar vazão à vontade adolescente de gritar que o mundo é uma merda.

(*)Vladimir Cunha é jornalista e assina o blog Tudo Joia.

--
FONTE:
http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2010/09/21/o-rock-brasileiro-precisa-morrer/

Um comentário:

  1. muito bom o texto. e Restart, Cine, essas bandas ai, são realmente bandas pra menininhas.

    ResponderExcluir