quinta-feira, 22 de setembro de 2011

R.E.M.: uma trajetória próxima da perfeição



Por CARLOS EDUARDO LIMA
Especial para o portal MONDO BACANA (www.mondobacana.com)


“Para todos os nossos amigos e fãs: como R.E.M., e como amigos de longa data e conspiradores, decidimos encerrar as atividades como banda. Saímos com um grande sentido de gratidão, de finalidade e de espanto com tudo o que temos realizado. Para quem já se sentiu tocado por nossa música, nosso mais profundo agradecimento por escutá-la”.

Justo hoje, 20 de setembro de 2011, eu passei o dia inteiro na rua, indo e vindo. Chego em casa por volta de 16h para colocar o trabalho em dia e me deparo com a notícia do fim do R.E.M.. O editor deste prestimoso Mondo Bacana, Abonico Smith, me pedia para fazer um texto "na pressa" sobre o fim da banda. Fui me informar, afinal de contas, como assim "fim do R.E.M."? Eles não estavam gravando material para um novo disco? Eles não lançaram um simpático álbum neste ano, Collapse Into Now? Eles não são daquele grupo – cada vez menor – de bandas e artistas em quem nós podemos confiar e que nos acompanham há um bom tempo nessa vida? Sim, as respostas são todas positivas, mas, ainda assim, Stipe, Buck e Mills encerraram suas atividades hoje, com a nota oficial que abre esse texto.

Digno? Por certo, ainda que Collapse Into Now e seu antecessor, Accelerate (2008) sejam discos legais, o R.E.M. não conseguia repetir o brilhantismo dos trabalhos dos anos 80 e 90. Por que será? Os caras já não teriam muito a dizer, nesse mundo globalizado e neoliberal de hoje? Será que a discrição e o low profile dos integrantes da banda prevaleceu sobre a lógica de oferta e procura monetária que rege tudo hoje em dia? Será que chutaram o balde e foram criar cabras ou investir a grana e o prestígio acumulados ao longo de uma carreira de pouco mais de 30 anos em alguma banda nova ou em meios de tornar algum artista atual tão relevante quanto eles foram/são? Esse texto está cheio de perguntas.

O All Music Guide abre seu texto sobre o R.E.M. com uma linha tão precisa que encapsula tudo a ser dito sobre eles: "O R.E.M. foi a banda que transformou o pós-punk em rock alternativo". Mesmo se levarmos em conta que a afirmativa se restringe ao cenário americano, é um baita feito em termos de história, certo? Além disso, me permitam, também resgatou uma certa tradição folk americana e a misturou nas influências de Velvet Underground e Television. Tornaram-se arquitetos de um novo som e se credenciaram para o derby da modernidade em condições de igualdade com gente como o Talking Heads, ainda que menos badalados e menos excruciantemente revolucionários.

Trilharam um caminho próprio nos anos 80, integrando o cast da independente gravadora IRS. Gravaram discos lindos como Murmur (1983), Reckoning (1984), Life's Rich Pageant (1986) e Document (1987). Percebo que, ao destacar os "discos lindos" do REM, só deixo de fora Fables Of Reconstruction (1985) e Green (1988), a meu ver, trabalhos menores se comparados aos outros. Canções como "Fall On Me", "So Central Rain", "Talk About The Passion", "It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)" e “Radio Free Europe” são elementos certos em listas de melhores momentos da década de 1980. Além do talento inegável do trio, mais o baterista fundador Bill Berry, há um certo ar de integridade artística na coisa. Seria algo como ouvir pessoas que acreditavam ingenuamente no que estavam fazendo, nas letras, nas levadas, nos arranjos. Eram quatro moradores de Athens, uma cidadezinha do interior da Geórgia, fornecendo ao mundo a sua visão peculiar das coisas. Tinha tristeza, agonia, introspecção, mas também aquela inocente crença em que tudo termina bem no fim e que o mundo está aí pra ser transformado por nós.

Superexposição

A entrada do R.E.M. na década de 1990 veio com um contrato milionário oferecido pela Warner. Saíram da pequena IRS e assinaram com uma major. Os fãs tremeram. Afinal de contas, pra onde iria a integridade descrita no fim desse parágrafo aí em cima? Na verdade, Green, de 1988, já saiu com a chancela da gravadora dos irmãos Warner e, talvez não por engano, trouxe uma mudança de atitude. Se o REM era sério e tristonho antes, com canções como "Stand" se permitia uma inédita autogalhofa, com dancinhas e piadinhas. Cutucaram a questão atitude versus major com "Pop Song 89" e foram arremessados ao megaestrelato em 1991 quando a MTV exibiu "Losing My Religion" mil vezes por dia em todo o mundo. A levada de bandolim e o andamento de folk rock que poderia ser dos Byrds adolescentes fez com que essa canção se tornasse conhecida de todos, literalmente. De críticos musicais à moça que está na esteira da academia de ginástica, hoje, todos conhecem "Losing My Religion". Talvez por não saber lidar com essa superexposição, o R.E.M. ficou com nojinho dela e de "Shinny Happy People", o outro megahit de Out Of Time, o disco de 1991. E por quê? Ainda uma birra com a Warner? Dificuldade em se adaptar ao mundo pré-neoliberalismo?

A oscilação entre penumbra e escuridão total de Automatic For The People, disco lançado um ano depois disso tudo, mostrava que o R.E.M. ainda tinha muito de lado negro da Força pra mostrar. Chamaram John Paul Jones, o ex-baixista e literato do Led Zeppelin, para arranjar as cordas do disco e pariram mesma na Seatlle pós-explosão do grunge um trabalho que pode ser o melhor que já fizeram. Canções como "Everybody Hurts", "Drive", "Sidewinder Sleeps Tonight", "Man On The Moon" e "Nightswimming", nos oferecem uma viagem pela noite. Se chover ou fizer lua cheia, não importa, este vai ser sempre belo e capaz de nos despertar uma lembrança qualquer sobre nós mesmos. Não é clichê jornalístico, é um fato. O mesmo clima sombrio ma non troppo viria quatro anos depois, com New Adventures In Hi-Fi, outro mergulho na noite, dessa vez com aditivos químicos contribuindo para uma visão distorcida de certos elementos da realidade.

"E-Bow The Letter", "Electrolite", "Bittersweet Me", o disco todo é torto, incompleto, embaçado, pouco esclarecedor e não se pode querer nada além do que é mostrado. A voz de Patti Smith no meio de "E-Bow The Letter" é desencarnada, fantasmagórica. As colaborações com Stephen Stills, Peter Murphy, Thurston Moore, ainda que inéditas no curriculum da banda, fazem sentido na paisagem atmosférica que é NAIHF. Lembro-me de comprar um single de "Bittersweet Me" e me deparar com uma cover belíssima de "Wichita Lineman", de Jimmy Webb, um dos maiores hits radiofônicos dos anos 60. Escondida no single, "Wichita" tinha brilho próprio, reinterpretada sob a lógica do disco, atirada na noite das composições, como se a visão do operador de linhas telefônicas num poste no meio do deserto – inspiração de Webb para escrever a canção 20 e tantos anos antes – fosse possível numa noite estrelada em meio a uma das rodovias interestaduais do Meio-Oeste americano.

Entre essas duas noites musicais veio Monster. Anunciado na época como "o retorno do REM ao rock". Eu pensava em 1994, ano de lançamento do disco, "mas, ele nunca deixaram o rock pra trás"... Monster é um disco único na carreira da banda, uma pisada nos pedais de distorção por certo, mas uma comedida chutação de balde. Só isso. Canções como "Crush The Eyeliner", "What's The Frequency, Kenneth" e "Strange Currencies" são certinhas, belas, fortes. O disco não é glam, não é pesado, não é nada além do velho R.E.M., mudando, andando, não criando limo.

Em 1995, durante a turnê de Monster, Bill Berry sofreu um aneurisma em pleno palco, na Suíça. Ele se recuperou em um mês, voltou a excursionar com os amigos, gravou baterias para Hi-Fi, mas preferiu retirar-se de cena em 1997, amigavelmente, para cuidar da família. O R.E.M. precisou se reinventar como trio, sobretudo em estúdio. Com Up, o sucessor de NAIHF, lançado em 1999, essa mudança ficou evidente. São muitos teclados, muitos climas, muitos barulhinhos. Tudo contribuía para que Up não seja um dos melhores discos do REM. Exceções em meio ao cenário estéril surgiam com "At My Most Beautiful" e "Daysleeper", a mais próxima da sonoridade clássica da banda.

Reveal, lançado em 2001, tentava retornar para casa. Era mais ou menos a mesma sensação passada por outra banda que deixava a selva do experimentalismo pra trás e buscava conforto na velha vizinhança sonora de sempre – o U2 vinha com o belo All That You Can't Leave Behind. O single de Reveal, "Imitation Of Life", teve alta rotação em MTV e rádios, lembrando um pouco "Losing My Religion". Auxiliada por "All The Way To Reno", as duas canções têm certa relevância no cânon da banda, mas, ainda que Reveal tenha seu valor e seu charme meio escondidos, concentrados em grande parte na beleza sessentista de uma bela pérola esquecida chamada "Beachball", não mudavam muito o cenário de indefinição sobre o futuro da banda. Em 2004, a chegada de Around The Sun, o consensual pior disco da carreira do R.E.M., só serviu para os fãs prepararem o velório do trio, algo que ainda demoraria um pouco para acontecer. Accelerate (2008) e Collapse Into Now (2011), bons trabalhos, cheios de acenos a uma juventude roqueira pouco comum ao passado da banda, serviram para manter o trio vivo, mas sem muito brilho, navegando nas águas de um passado recente. E, como diz o filósofo, nada mais antigo que o passado recente...

Dois discos ao vivo (R.E.M. Live e Live At Olympia), duas coletâneas (centradas nas fases distintas da carreira, na IRS e na Warner), relançamentos dos discos em formato CD+DVD e como edições de luxo (no caso, os discos independentes dos anos 80) serviram para dar ao fã da banda a atenção que ela merece. Há belos momentos em todos os cantos do catálogo do R.E.M. e é justo que novas e velhas gerações experimentem isso. Entretanto, por mais ética e digna que seja a atitude do trio em anunciar o fim das atividades, fica um gosto amargo de experimentar um mundo em que não haja uma análise de conjuntura aqui ou ali feita pela percepção única de Michael Stipe e emoldurada pelo conhecimento musical de Peter Buck e Mike Mills.

Eles estarão por aí, vendo e ouvindo o mesmo que nós, com ou sem cinismo diante do politicamente correto e dos absurdos do mundo. É chato ver gente na casa dos cinquenta anos sendo derrotada por uma conjuntura que separa cada vez mais velhos do século passado e jovens do século XXI. Mas aí é uma neura do autor do texto. Talvez, provavelmente, o R.E.M. seja mais jovem que todos nós, a ponto de ser atemporal.

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