quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Nevermind, 20 anos depois


Por ANDRÉ BARCINSKI
Colunista da Folha de S. Paulo


Dia 24, “Nevermind” completa 20 anos.

Quem quiser saber tudo – mas tudo mesmo – sobre a gravação do disco, com detalhes técnicos e análises das letras misteriosas e criptografadas de Kurt Cobain, deve correr à livraria mais próxima e comprar “Kurt Cobain – Fragmentos de uma Autobiografia”, do chapa Marcelo Orozco, livro que já recomendei diversas vezes.

O que me interessa, hoje, é tentar entender as conseqüências do disco. O que ele mudou em nossas vidas?

Costuma-se dizer que “Nevermind” foi um divisor de águas. E foi mesmo.

Para entender o impacto do disco, é preciso pôr em perspectiva a cena musical da época.

Há 20 anos, havia uma barreira gigante entre o alternativo e o comercial. Eram dois mundos distintos.

Quem gostava de bandas independentes comprava discos em certas lojas, lia certas revistas, ouvia certas rádios e se correspondia com pessoas de gosto semelhante.

Era um clubinho fechado, que nasceu, cresceu e se multiplicou por muitos anos, sem ser incomodado e sem perturbar o “mainstream”.

Bandas como o Nirvana, que nasceram no meio independente, nem sonhavam em ter uma música nas paradas de sucesso ou um clipe na MTV. Isso era para os outros.

No entanto, lá pelo fim dos anos 80, uma série de fatores começou a mudar esse panorama.

Em primeiro lugar, a venda de discos independentes começou a crescer em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os artistas pop mais famosos passavam por uma crise comercial e artística.

Grupos oriundos da cena alternativa, como REM, Red Hot Chili Peppers e Metallica, tornaram-se gigantes da indústria.

Em 1991, Perry Farrell lançou o Lollapalooza, festival que provou o potencial mercadológico da cena mais alternativa.

As grandes gravadoras, percebendo a maré favorável, começaram a contratar diversas bandas antes consideradas indesejáveis e sem potencial de mercado.

Daí veio “Nevermind”.

O que rolou imediatamente após o lançamento do disco foi um fenômeno semelhante ao que aconteceria, dez anos depois, com a bolha da Internet: megacorporações jogado dólares para o alto e comprando, a peso de ouro, qualquer bandinha – especialmente as de cabelo comprido e camisa xadrez.

Era insano: bastava Kurt Cobain elogiar uma banda para, minutos depois, ela ser contratada a peso de ouro. Aconteceu com Shonen Knife, Flipper, Eugenius, Flaming Lips, Redd Kross e TAD.

Até o Melvins, uma das bandas mais anticomerciais da história, ganhou uma bolada da Atlantic Records para gravar “Houdini”, disco em que Cobain tocou guitarra e, supostamente, produziu. Digo “supostamente” porque o próprio Buzz Osbourne me disse que Kurt só colocou o nome nos créditos para ajudá-los: “Kurt não era capaz de produzir nem um bolo instantâneo, quanto mais um disco.”

As grandes gravadoras compraram também diversos selos independentes.

Essa corrida ao ouro durou por uns dois ou três anos. Lá por 1995, a bolha indie estourou. E o resultado foi uma cena alternativa completamente esfacelada. Parecia o fim de uma guerra.

Algumas bandas – pouquíssimas, na verdade – sobreviveram. A grande maioria sumiu, levando junto bilhões de dólares em adiantamentos e contratos.

Selos alternativos que, por anos e anos, haviam formado bases sólidas de fãs, foram abandonados por seus novos donos.

Kurt, claro, já não estava vivo para testemunhar. E seu “Nevermind”, o disco que ele chegou a renegar, virou o símbolo dessa época que, paradoxalmente, marcou o apogeu e o início do declínio da cena alternativa.

“Nevermind” foi como o topo de uma montanha, que bandas, selos e fãs levaram anos para atingir, só para despencar lá de cima, abraçados, numa avalanche que soterrou todo mundo.

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