quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Todos nós somos muito ocupados e criativos", diz Mike McCready


O guitarrista do Pearl Jam falou com a Gazeta do Povo poucos minutos antes de subir ao palco para o show em Curitiba, ontem

Por YURI AL HANATI
GAZETA DO POVO


O guitarrista Mike McCready do Pearl Jam, mesmo depois de 20 anos de carreira, se diz abismado com a receptividade dos fãs brasileiros. “É impressionante! Vocês sabem cantar todas as músicas que a gente toca. O Brasil é um lugar incrível pra se tocar, e eu não digo isso facilmente”, comenta, durante uma entrevista concedida no camarim poucos minutos antes do quinteto de Seattle entrar no palco do Estádio Durival Britto e Silva, em Curitiba, nesta quarta-feira (9).

O grupo, também formado por Eddie Vedder nos vocais e guitarra, Stoner Gossard na guitarra base, Jeff Ament no baixo e, mais recentemente pelo baterista Matt Cameron (que integra também o Soundgarden), comemora 20 anos de carreira com a turnê PJ20, que já passou por São Paulo e Rio de Janeiro e segue para Porto Alegre. Em uma entrevista concedida com exclusividade à Gazeta do Povo, McCready falou sobre a apresentação, as duas décadas de banda e a cena musical da qual fizeram parte e se tornou célebre com nomes como Nirvana, Alice in Chains e SoundGarden.

Há seis anos o Pearl Jam não vem a Curitiba. O que o público daqui perdeu que vocês querem mostrar para eles?

Nós lançamos alguns álbuns nesse tempo, e temos algumas músicas novas. Tem muita coisa nova que precisamos tocar para o Brasil que ainda não tocamos. Just Breathe, por exemplo, que é do último álbum e que eu acho que ressoa para as pessoas daqui. Temos também um novo palco e um novo show. Acho que é isso que precisamos trazer para o Brasil já que não estivemos aqui por algum tempo.

O Pearl Jam se preocupa com a segurança do público. Que medidas foram tomadas para assegurar isso no estádio em que vocês tocarão?

Nós temos nossa equipe de segurança. Pete Beattle comanda isso. Ele anda por aqui, conversa com a segurança local e faz as exigências, como as barreiras que separam o público, para que todos possam assistir ao show sem se amontoar. E temos pessoas analisando o público o tempo todo para verificar se há algum problema acontecendo. Queremos garantir que todos estejam seguros e se divirtam, porque é isso que importa.

Certa vez, vocês brigaram com a TicketMaster [empresa de ingressos dos Estados Unidos] para abaixar o preço dos ingressos para seus shows. Vocês ainda têm essa preocupação?

O que aconteceu de verdade é que o governo nos chamou para testemunhar sobre o fato de que nós achávamos que eles estavam monopolizando. O governo é que estava atrás deles, na verdade. Nós, na época, queríamos garantir que os ingressos fossem os mais baratos possíveis para sairmos em turnê porque nós pagamos por tudo. Não temos um patrocinador ou algo assim, como várias bandas têm. Essa era nossa preocupação, e eventualmente nós deixamos isso de lado. Mas nós procuramos deixar o preço dos ingressos o mais baixo possível, comparativamente a outras bandas da nossa estatura. Porque nós sempre lembramos de quando éramos crianças e pagávamos sete dólares para ver bandas como Van Halen, ou Kiss, por dez dólares. Isso foi há séculos atrás e é insano pensar nisso hoje, mas sempre tentamos diminuir ao máximo o preço dos ingressos.

Da última vez que vocês vieram, o Mudhoney fez a abertura. E dessa vez é a banda X, que está tocando no momento em que conversamos...

Sim! E eles são tão bons! Todos nós amamos o X, eles são tão próximos de nós e tem tantas músicas importantes.

Por que vocês quiseram trazer o X?

Eu sei que existem algumas pessoas que sabem da existência do X, e eu acho que o X é uma das bandas mais subestimadas na história dos Estados Unidos. Eles vieram da cena punk -- eles praticamente criaram a cena punk em Los Angeles em 1977. [O vocalista] John Doe é um poeta americano na minha cabeça, tanto quanto qualquer poeta pode ser. E eles são demais! Eu não consigo parar de falar do X, eu adoro todos os membros da banda, adoro o jeito como eles tocam, e eles são importantes na história da música americana. Estamos muito felizes de estar com eles.

O Pearl Jam costumava fazer performances enérgicas e loucas, e agora vocês parecem mais centrados...

Mais centrados? (risos) Sim, Eddie não está mais escalando nada, não está subindo em vigas nem nada do tipo. Nós todos estamos velhos, todos nós temos família agora, mas ainda ligamos para a música, se não ligamos mil vezes mais. Então, principalmente, queremos fazer a música soar o melhor possível, porque é isso que as pessoas querem ver. E elas querem ver a nossa performance ao vivo sim, mas é mais a música, então queremos garantir que a música seja a melhor. Como temos mais de duzentas composições, trocamos de repertório todas as noites. Assim que eu terminar essa entrevista com você, eu preciso ir ali e treinar um pouco as músicas que vamos tocar hoje à noite. Tem muita coisa que eu ainda não toquei e eu preciso rever para ir bem.

Fale um pouco sobre o livro e o filme Pearl Jam 20, comemorativos dos 20 anos de carreira. Como vocês os receberam e como eles demarcam a sua carreira?

O livro e o filme representam um dos momentos mais marcantes na nossa carreira, no sentido de conferir uma linearidade a ela e aos meus 20 anos na banda numa maneira que eu consiga acompanhar. Ver e dizer “Fizemos isso” ou “fizemos aquilo”. Antes era tudo muito nebuloso. O livro contém muitas coisas das quais eu não sabia, que foram faladas por outros membros da banda. Tem algumas coisas que eu sabia sim, mas algumas atitudes e sentimentos que eu desconhecia. E tem fotos que eu nunca havia visto também. O filme já é outro nível. É uma viagem sentimental. É muito desgastante para nós assistirmos a ele. Nós amamos, mas eu penso “puxa, não posso assistir isso de novo por um tempo”, porque todos os meus sentimentos estão atrelados a ele. Os altos e baixos, as explosões, as tragédias, os triunfos e as coisas que aconteceram, tudo isso em duas horas. É muito para agüentar! Dito isso, eu tenho muito orgulho do [diretor do filme] Cameron Crowe. Ele é um diretor e jornalista de rock incrível, e ele é um verdadeiro fã de música. O que ele fez me deixou orgulhoso.

Os três primeiros álbuns da banda foram relançados. E quanto aos outros, há alguma possibilidade de sofrerem o mesmo processo?


É uma boa pergunta! Não sei em que pé isso está. Acho que vamos dar um tempo nessa coisa de relançamento. Achei que iríamos continuar fazendo isso, mas talvez levemos mais um ano antes de dar continuidade a esse processo. No final provavelmente vamos remasterizar tudo e o [produtor da banda] Brendan O’Brien vai remixar alguns discos. Mas no momento nós estamos no meio do processo de composição de um álbum, temos sete músicas, e estreamos uma chamada LA nessa turnê, e vamos trabalhar no resto delas no próximo ano, em março.

Muitos discos grunges, como o Nevermind, estão sendo relançados hoje em dia. Como você vê a aceitação dessas músicas pelo novo público? É um revival?

É muito difícil pra mim usar essa palavra [grunge], porque eu nunca achei que nós éramos isso. Claro que a mídia precisa colocar as músicas em categorias para vendê-las. Nós sempre nos sentimos simplesmente como uma banda de rock. Mas sim, você tem razão, essas coisas estão voltando, o disco do Nirvana foi relançado depois de 20 anos, Soundgarden se reuniu de novo e está fazendo alguns shows, o Alice in Chains vai vir pra cá fazer shows e eles são todos meus amigos. Então o fato de ainda ouvirem as nossas músicas e tocarmos hoje para uma audiência faz com que eu me sinta muito grato e pense que as músicas talvez fossem boas de verdade e durassem por serem boas. E isso é tudo o que uma banda pode querer, fazer música que toque as pessoas como eu me sinto tocado quando ouço algumas canções dos Rolling Stones, Social Distortion ou Sex Pistols ou X. Rola um sentimento de conectividade com essas músicas. Se você conseguir fazer isso com uma banda, seu trabalho está feito. E, claro ter uma carreira por 20 anos também!

Bom, vamos chamar então de “a cena de Seattle”...

Obrigado!

Como você vê essa cena de 20 anos atrás hoje?

Seattle, no final dos anos 80 e começo dos anos 90, era uma cidade muito pequena e não havia onde tocar. Não havia muitos clubes e não havia uma cena que desse apoio a bandas locais além de todos os caras e garotas que estavam nas bandas que tocavam nos seus porões, na chuva e no inverno. Eu tinha uma banda chamada Shadow, e a gente tinha que sair e alugar um espaço, alugar uma equipe de segurança, imprimir os ingressos, postar anúncios pela cidade toda. Foi isso que fez o Green River e o Soundgarden. Você fazia um esforço e todos iam aos shows dos outros, porque era tudo muito pequeno. Quando a cena estourou e se tornou grande, ninguém previu aquilo. Soundgarden assinou primeiro com uma gravadora, depois o Nirvana. As coisas estavam acontecendo, mas, principalmente, todo mundo queria arrumar um show. Tinha muito do “faça você mesmo”, porque antes não tinha nada, e agora tem centenas de clubes lá. É interessante que tenha se tornado alguma coisa.

Assim como o Eddie Vedder tem uma carreira solo e você tem a banda Rockfords, os membros do Pearl Jam tem projetos paralelos. Como vocês conciliam isso com a banda?

A minha banda, Shadow, da qual eu estava falando, era composta por muitos membros que hoje estão nos Rockfords. A gente cresceu junto. Eu comecei a tocar guitarra com onze anos e entrei na banda com onze anos e meio. E ela não se chamava Shadow, se chamava Warrior. É um nome bobo, mas éramos crianças. Eu tenho uma longa história com esses caras. Então, de projetos paralelos, Jeff tem o seu Three Fish, Eddie fez Na Natureza Selvagem e seus álbuns solo, eu estou fazendo algumas trilhas sonoras de filmes no momento, de um filme independente chamado Fat Kid Rules de World. Quando não estamos em turnê, todos nós temos nossas vidas, e nós todos estamos sempre ocupados, nunca conseguimos relaxar. Mas tentamos manter um equilíbrio entre essas coisas. O Matt, por exemplo, está fazendo algumas coisas para o Soundgarden, ele precisa balancear isso com o que a gente faz aqui e vice-versa. E nós apoiamos todos esses projetos paralelos. Eu toquei com o Jeff nesse ano com o Three Fish e fizemos uma turnê pelos clubes que costumávamos tocar e foi bem divertido. E Stone tem a [banda] Brad, é claro, então tem muita coisa acontecendo, todos nós somos muito ocupados e criativos.

Pearl Jam se distinguiu de outras bandas da época de Seatle, em parte, pelo seu estilo de guitarra, que tem muitas referências no rock clássico. Talvez na época solos de guitarra não fossem muito populares, mas como você vê a sua influência na banda e como você acha que ela fez a banda como ela é hoje?

Acho que o Stone, quando a gente começou, estava procurando alguém para fazer a guitarra solo, porque ele achava que não podia fazer. Mas ele podia, ele fez algumas coisas, mas acho que ele estava procurando alguém com uma pegada de Blues, e essa é minha formação. Eu era, originalmente, um guitarrista base, e aprendi a fazer guitarra solo ao ver caras como Randy Rhoads [da banda Quiet Riot] , e mais tarde Stevie Ray Vaugham, quando eu comecei a gostar de Blues e de Muddy Waters e coisas assim. Então eu sempre gravitei ao redor de caras assim, eu gostava de guitarristas solo. E qualquer que fosse o ethos em Seattle naquela época, se era ser punk e não conseguir tocar direito, aquilo não era eu. Eu toquei guitarra minha vida inteira e eu aprecio isso. É assim que eu sou, e eu acho que o Stone queria isso em mim. Meus ídolos então eram caras como Hendrix -- porque ele era de Seattle -- e Stevie Ray Vaugham mais tarde, Rolling Stones, Kiss, todas essas coisas com quem eu cresci. Eu era fã do Ace Frehley. Era o que eu fazia e acho que funcionou porque afinal de contas, estamos falando sobre isso hoje.

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