"Se as crianças não forem expostas a música estranha, elas podem muito bem crescer, ir à escola, arrumar empregos, ter filhos... e morrer! Sem nunca terem experimentado a loucura! Isso é muito perigoso!" - LUX INTERIOR
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Bob Dylan quem?
Um dos principais críticos musicais dos EUA, Greil Marcus narra a carreira de seu ídolo desde os anos 1960
Por FERNANDA PAOLA
Revista Cult
“Meu nome é nada e minha idade significa ainda menos”, ele cantou naquele dia de verão de 1963, no começo da música “With God on Our Side” (Com Deus ao nosso lado). Bob Dylan, hoje com 70 anos, ainda era um jovem pouco conhecido.
“Não entendi o nome dele quando Joan Baez o anunciou”, conta Greil Marcus no prólogo de seu mais novo livro, Bob Dylan by Greil Marcus – Writings 1968-2010 (Escritos 1968-2010). “Ele não era igual a mais ninguém”, completa o crítico norte-americano em entrevista à CULT.
O livro, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, traz uma coleção de ensaios, crônicas e impressões sobre Dylan escritos ao longo de 40 anos e publicados em revistas como Interview, Creem, Rolling Stone e The Believer (na qual ainda hoje mantém coluna).
Marcus, 66, já havia escrito Like a Rolling Stone (Companhia das Letras) e Dead Elvis: A Chronicle of a Cultural Obsession (Elvis Morto, 1991), entre outros. Segundo a New Yorker, “Greil Marcus desenvolveu uma capacidade de discernir um movimento da arte, ou de todo um país, escondido dentro de uma canção”.
Embora fã assumido de Dylan, do tipo que “procurava bitucas do ídolo no chão”, Marcus sempre foi muito crítico em relação à obra do compositor, como no artigo sobre o álbum Self Portrait, cujo título é “What Is This Shit? (Que merda é essa?)”: “Continuo achando o disco horrível”, afirma na entrevista a seguir.
CULT – Em seu novo livro, o senhor conta que a primeira vez que viu Dylan – em New Jersey, em 1963 – ficou maravilhado. Por que o achou tão especial?
Greil Marcus – O que me chamou tanto a atenção foi seu comportamento, especialmente capturado em uma das músicas que cantou, “With God on Our Side”: reservado, inteligente, um forte senso de independência e o comum combinado ao diferente. Essa pessoa havia experimentado o mesmo que todas as outras, mas não era igual a mais ninguém. E claro que eu não consegui entender o nome quando Joan Baez o introduziu ao palco.
Quantas vezes se encontrou com ele?
Eu o conheci naquela vez, se isso conta – eu não sabia seu nome, ele não sabia o meu. O único outro encontro que tive com ele foi no final de 1997. Ele estava recebendo o Gish Prize for Achivement in the Arts – um prêmio entregue pela atriz Lillian Gish para pessoas que tinham “contribuído para a beleza do mundo”. Já haviam recebido o prêmio o compositor Philip Glass, o encenador Bob Wilson e o arquiteto Frank O. Gehry.
Eu fui convidado a fazer um discurso na cerimônia. Dylan e eu fomos apresentados e conversamos por um tempo sobre meu livro, Invisible Republic, que depois mudou de nome para The Old Weird America [livro publicado em 1997 que gira em torno das gravações feitas por Bob Dylan e The Band em 1967 e que, em 1975, foram lançadas no álbum The Basement Tapes].
Ele me perguntou em que estava trabalhando, e eu disse que havia acabado de finalizar o livro e ainda não tinha nenhum outro projeto. Ele disse: “Por que você não escreve um segundo volume do livro? Você apenas arranhou a superfície”.
Considerei um grande elogio de alguém que realmente havia lido o livro com atenção. Era totalmente verdadeira sua afirmação e entendi o que quis dizer. E, certamente, seu conhecimento sobre a música antiga norte-americana é infinitamente maior que o meu.
Quando foi a primeira vez que escreveu sobre Dylan?
Eu escrevi um artigo na faculdade sobre “Desolation Row”, em 1965, e outro sobre Dylan e Walt Whitman em 1966. Minha primeira publicação sobre Dylan foi no San Francisco Express-Times, jornal underground em que tinha uma coluna de música pop entre 1968 e 1969, e o título era “The Legend of Blind Steamer Trunk”.
Na semana seguinte, escrevi outro artigo chamado “Let the Record Play Itself”, um ataque às interpretações elaboradas e biográficas das músicas de Dylan, sobretudo por Paul Willians e A. J. Weberman, e brevemente depois outro artigo sobre Nashville Skyline (1969). Quando reli para incluí-las no novo livro, eram tão terríveis que não pude salvar nenhum parágrafo.
Em 1970, sua crítica sobre Self Portrait, de Bob Dylan, na Rolling Stone, começava com “What Is This Shit?” (Que merda é essa?). Não ficou preocupado com a reação do artista?
Não, isso nunca me ocorreu.
O que acha do álbum hoje?
A Mojo me pediu para reescrever sobre o álbum no ano passado. Eu ouvi novamente muitas vezes. E ainda acho que a maioria das músicas é horrível, e quase intencionalmente eram para ser. As performances que achei boas em 1970, como “Copper Kettle”, soaram ainda melhores, mais profundas e fortes, e o que achei particularmente quase insultante, como “The Boxer” ou “Let It Be Me”, ficaram ainda piores.
Em Crônicas – Vol. 1 (Planeta), Dylan praticamente reconheceu o que eu suspeitava: que ele havia lançado aquele álbum parcialmente para que as pessoas o deixassem em paz, que parassem de falar com ele tão seriamente, para convencer as pessoas de que ele era apenas um amador.
Qual é o melhor álbum de Dylan? E o pior?
O melhor é Highway 61 Revisited (1965). É absolutamente cheio de vida: ambicioso, inteligente, astucioso, um louco amor pelo ritmo e pelo estilo, o momento em que fazia sentido dizer qualquer coisa de qualquer modo, o trabalho de um trapaceiro que te desafia a acreditar em tudo o que ele diz.
Em certo sentido, “Desolation Row”, cheio de palavras, é mais musicalmente excitante do que “Like a Rolling Stone” ou “It Take a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry”, mais elegante do que “Ballad of a Thin Man”. Dá para escutar esse álbum para sempre – não necessariamente para ouvir algo que não ouviu antes, mas para ouvir mais daquilo.
Em contrapartida, as vezes você pode ouvir “Time Out of Mind” ou “The Freewheelin’ Bob Dylan” ou “Good as I Been to You” e saber que nada poderia ser melhor.
O pior é qualquer um da década de 1980, de que não consigo lembrar de nada a respeito. Se você me colocasse em uma sala e me dissesse que não poderia sair até dizer o nome de uma música de Down in the Groove (1988), eu ainda estaria lá.
É aquele com a versão de “Rank Strangers”, do Stanley Brothers’, que é morto e pálido na versão de Dylan. Phil Spector disse uma vez que há músicas que são ideias e músicas que são para gravar; essa é uma ideia.
Como a sua carreira de repórter e crítico de música começou?
Fiz pós-graduação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sobre teoria política. Minha intenção era ser professor, mas morri de tédio. Jann Wenner, que conheci em 1964 quando estávamos no primeiro ano em Berkeley, havia começado na Rolling Stone e eu pensei que poderia fazer melhor do que as pessoas que estavam escrevendo resenhas de discos. Comecei então a enviar meus textos, e em pouco tempo eu era o editor da seção de música e, mais tarde, um dos editores da revista.
Mas, depois de ser demitido da RS, em junho de 1970, comecei a escrever para a Creem, a lecionar em Berkeley, e percebi que não havia nascido para dar aula. Então me demiti da universidade – escrever e editar eram as únicas coisas que sabia e gostava de fazer.
O senhor diz no livro que queria “chegar o mais perto possível da música – eu queria ficar dentro dela, atrás dela, e, escrevendo sobre ela, através dela, era a minha maneira de fazer isso”. Quantas vezes precisa ouvir uma música antes de escrever a respeito?
Às vezes, uma só – e depois de escrever a respeito, muitas mais, durante anos. Às vezes, muitas e muitas, repetidas vezes, acompanhado de todo tipo de pessoa, normalmente com uma única música que me chamou a atenção, uma atmosfera que eu queira vivenciar, eu toco a música ou o álbum o dia todo.
Eu me lembro de uma tarde ouvindo “I’m the Ocean”, do Neil Young, por três ou quatro horas sem parar, e ligando paras as pessoas e tocando para elas pelo telefone. Fiz o mesmo com “Far Post”, do Robert Plant, que é o lado B de um single de que não lembro o nome.
E para saber tanto sobre música – e tão intensamente – como se prepara? Toca algum instrumento?
Crítica não é nada mais nada menos do que a análise de alguém sobre a sua própria reação – sobre um disco, um discurso, um evento, um filme, especialmente aquilo a que o falecido crítico cinematográfico Manny Farber se refere como a atividade em torno dos limites da tela. Para isso você precisa ser capaz de se escutar ouvindo, se enxergar vendo, e vice-versa. Você não deve saber como fazer um filme ou tocar músicas.
Além de ser um dos críticos musicais mais importantes dos Estados Unidos, você já deu aula em Princeton, Berkeley e Minnesota. É otimista em relação à geração internet?
Claro. Pessoas mais jovens sabem muito e sabem o que não sabem. Elas têm acesso a muito mais informação do que tive quando jovem, mas ainda há coisa que você deve ir atrás, e não apenas com o teclado. Sou sempre humilde quando converso com estudantes e assistentes de professores nos seus 20 e 30 e poucos anos. De algum modo, eles estão muito à frente de mim.
O que acha da crítica de música e do jornalismo musical de hoje?
Acho que o melhor trabalho está sendo feito na ficção: Veronica, de Mary Gaitskill; Eat the Document e Stone Arabia, de Dana Spiotta; You Don’t Love Me Yet, de Jonathan Lethem; Juliet, Naked, de Nick Hornby; e The Singer e Bad Penny Blues, de Cathi Unsworth, chegam ao coração da obsessão, da diversão casual… a maneira como alguma coisa começa casualmente e se transforma em uma obsessão.
E eles amam música – é o ar que respiram. Estariam mortos sem isso. Esse sentido deve estar em qualquer bom crítico de música, que muito frequentemente só está olhando para os resultados.
Quando foi a última vez que você leu uma crítica de um álbum que não era basicamente sobre se esse trabalho iria ou não ajudar a carreira do artista – como se isso de fato importasse?
FONTE:
http://revistacult.uol.com.br/home/2011/08/bob-dylan-quem/
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