quinta-feira, 4 de agosto de 2011

De bem com Caetano


Por CRISTIANO VITECK

Até algum tempo atrás, se alguém dissesse: “que atire a primeira pedra aquele que não gosta de pelo menos uma música de Caetano Veloso!”, eu não teria receio algum em atirar não só a primeira como também a maior pedra. Resquícios de uma adolescência roquenrou, estilo musical que tem como premissa básica que nenhuma música que seus pais ou professores gostem é boa o bastante para você. Ou talvez, ou também, esse ranço anti-Caetano fosse inspirado no lema da contracultura “não confie em ninguém com mais de 30 anos”. Como já passei dos 30, obviamente não tenho mais motivo pra acreditar nessa bobagem...

Mas, o negócio é que fiz as pazes com Caetano e o mais provável é que isso seja culpa do Júpiter Maçã e a sua “A Marchinha Psicótica de Dr. Soup”! Uma longa trajetória sonora que não convém aqui explicar...

Apesar de não gostar, sempre estive com um ouvido atento para o que Caetano andava dizendo por aí e com o outro prestando mais atenção ainda no que falavam contra o cantor baiano. Na famosa rixa entre Lobão e Caetano, sempre estive ao lado do primeiro. Hoje abraço os dois e, como eles mesmos andaram percebendo nos últimos tempos, ambos têm mais coisas em comum do que diferenças.

É claro que Caetano em muitos momentos se esforçou/esforça para inflar a antipatia dos seus críticos. Como quando defende a xaropice da música axé ou quando grava um CD/DVD com a chata da Maria Gadu. Mas aí, acabamos caindo na profunda questão filosófica posta em discussão pelo personagem interpretado por Jack Black no filme “Alta Fidelidade”: as mancadas de um artista hoje são o bastante para desabonar tudo de bom que ele tenha feito no passado? Eu não me arrisco a responder.

Só que no caso de Caetano Veloso, apesar das canoas furadas e de músicas bem mais ou menos que ele tenha gravado em certos momentos, nos últimos tempos conseguiu revigorar a sua carreira de uma forma surpreendente para um cantor que está beirando os 70 anos. Nos últimos nove anos lançou três dos seus melhores discos: “Eu Não Peço Desculpa” (em parceria com Jorge Mautner, 2002); “Cê” (2006) e “Zii e Zie” (2009). Os dois últimos, responsáveis por colocar o cantor novamente em sintonia com a produção musical roqueira contemporânea, através da sua parceria com jovens músicos que integraram a banda Cê, que acompanhou Caetano Veloso até 2010.

Contudo, é inegável que o mais interessante e polêmico da carreira dele está entre o final da década de 60 e o início dos anos 70. Período, inclusive, relatado pelo próprio no seu denso livro “Verdade Tropical”, publicado em 1998. Além de contar sua trajetória desde criança até sua volta do exílio em Londres (1969-1972), Caetano se propõe mesmo a explicar a “Tropicália”, movimento artístico que junto com Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Tom Zé e, vá lá, Nara Leão, propunha atualizar a música brasileira através da fusão de gêneros “importados”, em especial o rock, ao mesmo tempo em que discorria em suas letras sobre elementos da cultura pop estrangeira, sem medo de perder a brasilidade.

Com essa postura, os tropicalistas desagradaram não só aos militares que estavam no poder, como provocaram a ira da estudantada esquerdista, que acusava Caetano Veloso e companhia de alienados ou vendidos por contaminarem a música brasileira com modismos americanos e ingleses. Isso sem contar a cabeleira e o rebolado afeminado de Caetano Veloso e a defesa que ele fazia da Jovem Guarda. A esquerda universitária brasileira, de forma geral, parecia não entender ou perceber o caráter e a força do protesto e de subversão da moral e dos bons costumes presentes no movimento tropicalista.

A vaia enorme que Caetano Veloso levou do público ao cantar “É Proibido Proibir” no 3º Festival Internacional da Canção em 1968, a qual ele revidou de forma enérgica e indignada com um discurso hoje histórico (“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?” *), foi o ápice de hostilidades entre ele e a esquerda estudantil. Curiosamente, foi a gota da água para os militares também, que dias depois apertariam o nó da ditadura com o AI-5 para logo então mandar Caetano Veloso pra cadeia por dois meses, sendo depois mandado de volta para a Bahia junto com Gilberto Gil, onde eles passaram mais alguns meses até serem “convidados” a se retirarem do país.

O fato de não ter agradado nem a esquerda e nem a direita na época é um forte indício do quão polêmico foi Caetano Veloso para a época, que junto com seus colegas da Tropicália estava motivado a “acabar com toda a imbecilidade que reina no Brasil”. Certamente que a Tropicália teve vida curta, mas entrou pra histórica como um dos grandes momentos da música brasileira. Há quem defenda que a Tropicália não passou de um golpe de marketing. Até certo ponto não deixa de ser isso também, mas querer reduzir o movimento a tal simplificação quase beira o absurdo.

Por isso aí já dá pra ter alguma noção do porquê de estar fazendo as pazes com Caetano. Mas os motivos vão além, tendo em vista a vasta discografia do cantor, que proporciona enorme satisfação de ir descobrindo aos poucos, sem pressa alguma. Hoje, a obra de Caetano Veloso e eu nos damos muito bem, com alguns atritos aqui e ali, mas nada que não seja superado. Pena que foram necessários 30 anos para apertarmos as mãos.

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(*) Discurso de Caetano Veloso contra a plateia durante a execução de “É Proibido Proibir”, durante o 3º Festival Internacional da Canção, em 1968:

“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado; são a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa! Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, não com o medo que senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém! Vocês são iguais sabe a quem? São iguais sabe a quem? Tem som no microfone?... Àqueles que foram ao Roda Viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido em dar esse “viva” aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão (“Maranhão” era o apelido do compositor Francisco Fuzzetti) apresentou esse ano uma música com arranjo de charleston, sabem o que foi? Foi a “Gabriela” do ano passado que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar, por ser americana. Mas eu e Gil abrimos o caminho, o que é que vocês querem? Eu vim aqui pra acabar com isso. Eu quero dizer ao júri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso! Nada a ver com isso! Gilberto Gil! Gilberto Gil está comigo pra acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com isso tudo de uma vez! Nós só entramos em festival pra isso, não é Gil? Não fingimos que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos a coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? E vocês? Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com Gil! Junto com ele, tá entendendo? O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! [Aqui, Caetano canta trecho de “É proibido Proibir”] Fora do tom, sem melodia. Como é juri? Não aceitaram? Desqualificaram a melodia de Gilberto Gil e ficaram por fora! Juro que o Gil fundiu a cuca de vocês. Chega!"

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LINK PARA DOWNLOAD DO COMPACTO “PROIBIDO PROIBIR”, COM A VERSÃO DE ESTÚDIO E A APRESENTADA NO 3º FIC, ACOMPANHADO DOS MUTANTES:
http://www.megaupload.com/?d=9QZU6DKH

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