sábado, 2 de abril de 2011

Volta da tumba, Orlando Dias!


Por CRISTIANO VITECK

Quantas vezes ouvindo uma música ruim já não paramos e pensamos: como fulano de tal faz sucesso cantando e tocando tão mal?

Essa mesma pergunta ficou durante muito tempo martelando na cabeça de André Midani, um dos maiores figurões da indústria musical brasileira e personagem-chave na popularização de diversos gêneros musicais surgidos no país a partir do final dos anos 50, como a bossa nova, a Tropicália, a MPB e o rock dos anos 80.

Desde muito cedo, André Midani (nascido em 1932, na Síria) era um fanático por música. Uma vez chegado ao Brasil em meados da década de 1950, encontrou seu primeiro emprego na gravadora Odeon, onde rapidamente ascendeu aos altos escalões da empresa. Amigo e promotor de artistas como Tom Jobim e João Gilberto, certa dia um dos chefões da Odeon enfiou goela abaixo de Midani um cantor nordestino chamado Orlando Dias (FOTO), que havia se mudado para o Rio de Janeiro e que cantava mal pra cacete.

Acostumado a lidar com a fina flor da MPB, Midani ficou puto com a história, mas teve que engolir o tal Orlando Dias, que mesmo sendo um cantor e compositor medíocre para os padrões de quem andava ao lado dos incensados mestres da bossa nova, acabou se tornando um cantor de enorme sucesso no país durante os anos de 1950 e 1960.

Intrigado com o músico, Midani resolveu se encontrar com Orlando Dias, que contou sua história: era pernambucano que perdeu pai, mãe e a maioria dos irmãos ainda adolescente. Casou-se também muito jovem, porém a esposa logo veio a falecer. Viúvo, Orlando Dias dizia-se assombrado pelo fantasma da esposa, que todas as noites o perturbava por considerá-lo culpado pela morte dela. Para provar seu amor, Orlando Dias prometeu ao fantasma que iria se tornar compositor e cantor para enaltecer a paixão que sempre teve pela esposa. Curiosamente, depois disso o fantasma teria parado de incomodar o artista.

A despeito da história triste de vida de Orlando Dias, Midani ainda assim não conseguia aceitar que um cantor tão sem talento fizesse sucesso. Mas tudo mudou depois de um jantar com o psicanalista Hélio Pellegrino, que desvendou o segredo do sucesso de Orlando Dias. É o que conta André Midani em sua autobiografia “Música, Ídolos e Poder: do vinil ao download”:

“Comecei, então, a entender que o que o cantor e sua música diziam não era tão importante quanto a maneira como o diziam, e como o que diziam dependia da genuidade do sentimento que vinha do fundo da alma. Quando o público carregava um sentimento similar, identificava-se com o cantor através do inconsciente coletivo. E a canção, como tal, se restringia a um pretexto, e era meramente um fio condutor da empatia entre o cantor e o público. Visto através desse prisma então revolucionário, a gente podia compreender que o espiritismo e o tormento expressados pelo Orlando Dias através de sua música e do seu cantar eram porta-vozes do inconsciente coletivo do povo nordestino emigrado do sertão para as cidades. Essas eram as razões do seu sucesso”.

Compartilho exatamente dessa explicação de Helio Pellegrino e que foi percebida como uma revelação divina por André Midani. Em música, o que nos motiva/sensibiliza é muito mais o feeling do que a técnica. É a autenticidade com que o artista se expressa que de fato nos toca. Como bem definiu André Midani no livro, o que importa em um músico são seus “atributos de narcisismo, de sofrimento, de raiva, de doçura, de ódio, de ternura, de agressividade, de determinação, de ambição, de liderança”. É isso o que diferencia um músico prodígio de outro que beira a imbecilidade.

Infelizmente, a impressão que temos é que hoje, diante da terrível qualidade da música de sucesso feita no Brasil, o único atributo que os artistas têm é a ambição e o narcisismo, além de uma carinha bonita. A doçura e a ternura ficaram com as rádios e as emissoras de TV, totalmente complacentes com a mediocridade que impera no meio musical.

Já aos ouvintes que realmente se importam com a música, restaram apenas o sofrimento, a raiva, o ódio e agressividade diante de tanto lixo disfarçado de música que emporcalha os nossos ouvidos...

A coisa tá tão ruim que até dá vontade de implorar: volta da tumba, Orlando Dias!

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